A Carreira Executiva é um processo contínuo focado no desenvolvimento de habilidades específicas de liderança que vamos abordar neste artigo
Ao longo dos últimos 18 anos desenvolvemos pesquisas sobre a liderança no Brasil e dois aspectos têm chamado nossa atenção. O primeiro é diferença existente entre líder e gestor. Nossa definição de gestor é o profissional responsável pela gestão de recursos escassos na organização, por essa razão, o que caracteriza o gestor é o fato de estar na arena política, ou seja, disputando recursos com seus pares. Nem todo líder de pessoas é um gestor, como, por exemplo, lideranças operacionais ou técnicas que não estão na arena política. De outro lado, podemos ter gestores que não possuem liderados diretamente subordinados a eles, mas são gestores porque estão na arena política.
A transformação de um profissional técnico ou funcional ou de um líder operacional em gestor gera um grande estresse. Essa transformação exige da pessoa o desenvolvimento de novas competências, para as quais a maior parte não está preparada para desenvolver. Isso porque a arena política é invisível e não é percebida pelas pessoas que nunca a frequentaram. Além da pessoa necessitar desenvolver habilidades políticas, como veremos mais a frente, muitas têm que abandonar atividades que lhes propiciava grande satisfação. Lembro-me que quando assumi minha primeira posição gerencial era comum terminar o dia frustrado, com a sensação de não ter efetuado nada, por ter passado o dia inteiro em reuniões e havia dias em que me sentia satisfeito por ter colocado a mão na massa, que era exatamente o que não devia fazer.
Essa constatação nos conduziu ao segundo aspecto que tem chamado nossa atenção, que são as fases de amadurecimento de um gestor em sua posição. Ao analisarmos várias biografias de gestores que saíram de posições operacionais para chegar a posições de nível estratégico, observamos passagens comuns em todas elas. Essas passagens ocorreram de forma natural em diversos tipos de organizações e em diferentes situações, mas sempre apresentando as mesmas características.
Verificamos que as exigências sobre os gestores nessas diferentes fases são também diferentes e apresentam um padrão, o que nos permite pensar em ações para trabalhar a preparação das pessoas para assumir posições de gestão e, posteriormente, ações para desenvolvê-las na posição.
Preparando as pessoas para assumir posições gerenciais e uma carreira executiva
Um primeiro aspecto é a definição clara do perfil que desejamos para os gestores em nossas organizações, de tal forma que tenhamos uma pessoa capaz de transitar de forma efetiva na arena política e, ao mesmo tempo, capaz de ser um bom líder de pessoas.
A tarefa é identificar pessoas capazes de atender esse perfil e prepará-las para a posição gerencial, expondo-as a desafios e a situações em que tenham que transitar pela arena política. Observando seu comportamento e pontos de aprimoramento.
Embora a arena política nas organizações já tenha sido comentada por vários teóricos desde a década de 1980 (MINTZBERG, 1983 e 1985; OFEFFER, 1981; FARRELL e PETERSEN, 1982) é somente nos anos dois mil que o tema passou a ser estudado com profundidade. A maior parte dos estudos procura identificar habilidades políticas dos gestores que têm sucesso em transitar pela arena política. O principal autor sobre o tema é Gerald R. Ferris que vem publicando artigos sobre o tema desde 2000, mas em seus livros (Political Skill at Work, de 2010, editora Davies-Black, e Politics in Organizations, de 2012, editora Routledge) procura trazer uma reflexão sobre os principais pontos e descobertas sobre o tema.
O objetivo é discutir se as habilidades políticas podem ser ensinadas e como ensiná-las. Habilidade política é compreender os outros no ambiente de trabalho e usar esse conhecimento para influenciá-los a agir para o alcance dos objetivos individuais e /ou da organização.
Segundo Ferris e seus colegas as habilidades políticas são uma combinação de:
- Astúcia Social – observação arguta das diversas situações sociais, compreendendo as interações sociais e motivações individuais por trás dos discursos e atos das pessoas;
- Influência Interpessoal – flexibilidade, adaptação e calibragem do comportamento para as exigências de cada situação de forma a influenciar as respostas dos demais;
- Construção de Redes de Relacionamento – formação de grupos de pessoas com um mesmo propósito ou interesse, desse modo, formam-se alianças e coalizões em torno de uma mesma proposta;
- Sinceridade Percebida (Visível) – integridade, autenticidade e sinceridade são aspectos importantes para o trânsito político, mas, ao mesmo tempo, há necessidade que a pessoa seja percebida como honesta, aberta, direta e objetiva. É muito importante que o comportamento ou as ações da pessoa não sejam interpretadas como manipuladoras ou coercitivas.
Além de observarmos pessoas que têm habilidades naturais para a arena política, é necessário pensarmos em ações para uma maior consciência da pessoa de suas habilidades e ações para depurá-las.
Além de pensarmos em futuros gestores é possível analisar o quanto os atuais gestores têm essas habilidades desenvolvidas. Na maior parte de minhas atividades em cursos de educação executiva e palestras para gestores, vejo como os participantes ficam surpreendidos quando falo da arena política e da necessidade de desenvolvimento de habilidades para transitar na mesma.
Em nossas pesquisas percebemos uma diferença entre a arena política do nível tático e a arena do nível estratégico. Por essa razão, um bom gerente tático não será necessariamente um bom gerente estratégico. Portanto, é necessário identificar pessoas e prepará-las para o nível estratégico. As diferenças mais marcantes entre as arenas são as seguintes:
A arena política do nível tático é caracterizada por ser um espaço de disputa de recursos escassos – orçamento, investimentos, massa salarial, espaço físico etc. É nessa arena onde ocorrem:
- Formação das regras de convivência e de acesso aos recursos escassos;
- Criação de regras de relacionamento entre áreas e com parcerias externas.
A arena política do nível estratégico é caracterizada por ser um espaço de discussões sobre:
- Futuro da organização;
- Parcerias estratégicas;
- Relacionamento com stakeholders;
- Influência no ambiente/contexto onde a organização se insere.
Desenvolvimento dos gerentes em seu nível de atuação
Tivemos a oportunidade de analisar algumas biografias de gestores que saíram da condição de gerentes operacionais e ascenderam para níveis estratégicos da organização. Ficamos surpresos ao constatarmos que havia um fio condutor comum nas biografias. Embora os nossos entrevistados não tivessem consciência, acabaram desenvolvendo estratégias muito parecidas. Esse fato nos proporcionou a estruturação dessas fases e a percepção de que, em cada uma delas, são necessárias competências diferentes. Observamos que os entrevistados passam por três etapas típicas:
- A primeira é a etapa de consolidação na nova posição. O gestor tem muita dificuldade de se desvincular das atribuições e responsabilidades do nível de sua posição anterior. Naturalmente sente-se melhor lidando com a complexidade de trabalhos que já domina, entretanto, isso dificulta a delegação e o desenvolvimento da equipe. Observamos que muitas vezes esse comportamento é reforçado pela chefia que cobra de seu subordinado uma postura mais técnica do que de gestão. A grande dificuldade apontada pelos nossos entrevistados para consolidar sua posição é conseguir delegar; para tanto, têm que desenvolver a equipe ao mesmo tempo em que têm que gerar os resultados demandados de sua nova posição. Nesta etapa, as competências críticas são foco no resultado, desenvolvimento da equipe e delegação;
- A segunda etapa é caracterizada pela ampliação do espaço político do gestor entre seus pares e superiores. Esta etapa implica em desenvolver e/ou aprimorar as interfaces entre áreas complementares. A dificuldade desse tipo de ação implica em mais trabalho no curto prazo para o gestor e sua equipe, por isso, esta etapa só é iniciada após a consolidação da posição do gestor. Muitas pessoas, quando apresentei os primeiros resultados da pesquisa, questionaram-me sobre o ganho de espaço político, dizendo que o espaço é delimitado e se alguém está ganhando, outro está perdendo. Entretanto, o que pudemos constatar nas entrevistas é que os gestores construíram novos espaços políticos, principalmente com a construção de interfaces onde não existiam e, com isso, aprimoraram processos, tornaram as relações entre as equipes mais eficientes e introduziram novos conceitos de gestão. As competências importantes nesta etapa são a ampliação da visão sistêmica e a abertura e sustentação de parcerias;
- A terceira etapa é o crescimento vertical, ou seja, é quando o gestor recebe delegação de seus superiores. Nessa fase, o gestor assume projetos ou processos que exigem o trânsito em arenas políticas mais exigentes. Dificilmente o gestor recebe delegação se não tiver conseguido construir legitimidade, reconhecimento e trânsito entre seus pares, por isso, dificilmente a terceira fase ocorre sem que o gestor tenha conseguido ampliar seu espaço político. Percebemos que naturalmente alguém que está no nível estratégico elege gestores no nível tático para atribuir maiores responsabilidades com maior legitimidade entre seus pares e com algum trânsito no nível estratégico. Nesta etapa, as competências mais importantes são a ampliação da visão estratégica e o desenvolvimento de sucessores para ocupar os espaços que deixará ao assumir atribuições e responsabilidades de maior complexidade.
Essas diferentes etapas e as competências necessárias podem ser resumidas na figura a seguir. É interessante notar que um gerente tático pode estar em quatro situações diferentes em relação à ocupação de seu espaço e as competências que necessita desenvolver são diferentes. Compreender em que momento se encontra o gestor é importante para auxiliá-lo em seu desenvolvimento.
O reconhecimento dessas etapas ajuda na preparação do gestor para assumir gradativamente maior complexidade em sua posição. Observamos em nossas pesquisas que muitos gestores têm dificuldade de sair da primeira fase. Essa constatação está alinhada com o trabalho desenvolvido por Ram Charan (2001). Muito líderes têm dificuldades para abandonar suas atribuições no nível anterior quando são promovidos. Foi possível constatar que a maior parte de nossas organizações utiliza de forma inadequada suas lideranças e têm problemas para desenvolvê-las. É por essa razão que vemos boa parte da liderança com dificuldades para sair da primeira fase de desenvolvimento, ou seja, têm dificuldade para consolidar sua posição por assumirem muitas atribuições e responsabilidades do seu nível anterior.
Verificamos nos trabalhos com as lideranças que há, nas organizações brasileiras públicas e privadas, uma tendência de os gestores levarem para suas novas posições as responsabilidades que tinham no nível anterior (CHARAN, 2001). Isso acontece como resultado de dois aspectos: os gestores têm dificuldade de delegar suas responsabilidades anteriores para sua equipe e sentem-se mais confortáveis acumulando as novas e velhas responsabilidades. Esse fenômeno faz com que os gestores tenham dificuldade de atuar plenamente em seus níveis de complexidade, acumulando muitas das responsabilidades que deveriam ser exercidas por seus subordinados. Nas empresas, utiliza-se o termo “nivelar por baixo”, para expressar esse fenômeno.
O “nivelamento por baixo” dificulta a preparação de pessoas para o processo sucessório, já que o gestor ocupa o espaço de seu subordinado. Como resultado o subordinado não percebe com clareza qual é a distância a ser percorrida para ocupar a posição superior. Como o gestor nivela para baixo sua atuação é comum que o subordinado construa a falsa percepção de estar próximo do nível de responsabilidade de seu gestor. Quando surge uma oportunidade, essa pessoa não consegue compreender por que não foi pensada para ocupar a posição, uma vez que, em sua percepção, já fazia algo muito próximo do exigido.
A estruturação sistemática da sucessão tem gerado vantagens inesperadas e, muitas vezes, não percebidas pelas organizações, como é o caso de, ao prepararmos pessoas para posições-chave, criarmos a possibilidade de reversão desse quadro. Se pensarmos que todas as pessoas estão sendo preparadas para atuar em níveis de responsabilidade mais complexos, podemos dizer que a organização, nesse processo, vai se “nivelando por cima”. As principais implicações do “nivelamento por cima” observadas nessas organizações são:
- Gestores mais dispostos e preparados para delegar e desenvolver a sua equipe, como condição para almejarem posições mais complexas;
- Instalação de uma cultura de desenvolvimento das lideranças e maiores desafios profissionais para as pessoas;
- Criação de mecanismos mais elaborados para avaliação e acompanhamento do desenvolvimento das pessoas, particularmente aquelas em condições de assumir maior responsabilidade de liderança ou técnica;
- Um ganho financeiro para a organização, na medida em que ela recebe muito mais contribuição das pessoas com a mesma massa salarial.
Tornar a liderança mais eficiente é um dos aspectos mais relevantes do processo sucessório estruturado, mas, ao mesmo tempo, o menos visível nas organizações, basicamente porque não se tem colocado luz sobre o fato, nem nas discussões profissionais e nem na literatura sobre o tema.
Considerações Finais
Embora muitas organizações tenham investido na formação e desenvolvimento de lideranças, observamos a reprodução de fórmulas eficientes em contextos passados. Hoje, com um ambiente cada vez mais incerto e ambíguo é necessário repensarmos a definição do perfil dos gestores que necessitamos, os critérios pelos quais avaliamos e valorizamos esses gestores e, principalmente, como ajudar os atuais gestores a promoverem sua transformação e adaptação às exigências atuais e futuras de nossas organizações.
Joel Dutra é professor livre-docente da FEA-USP e coordenador do PROGEP – Programa de Estudos em Gestão de Pessoas.