É fato que as organizações ocupam, principalmente após a Revolução Industrial, uma posição central na vida das pessoas. A sociedade contemporânea está completamente permeada por relações com os vários tipos de organização: empresariais, governamentais, educacionais, médicas, assistenciais, etc.
As organizações são vivas, portanto, nascem, crescem, desempenham funções ao longo de sua vida e morrem. No livro, Mas, afinal, o que é essa tal de Organização?*, exploro a visão de que as organizações, assim como as pessoas, possuem corpo e alma (que correspondem, respectivamente, aos aspectos mais concretos e visíveis — pessoas, estruturas, tarefas e tecnologia — e aos mais sutis — a cultura e os valores organizacionais —, aquilo que se relaciona com a individualidade e a personalidade da organização). Dessa forma, organizações aprendem, mudam e podem também adoecer.
Cada organização é única e desempenha uma determinada função nesse amplo e complexo organismo chamado sociedade. As governamentais regulam a vida social, criando leis e normas, além de prover serviços essenciais e recursos básicos de saúde, educação, transporte, segurança, saneamento, infraestrutura, programas sociais, entre outros; as sindicais mediam as relações e os interesses dos trabalhadores com seus empregadores, dos mais variados tipos e categorias; as industriais se ocupam da produção de produtos para atender às necessidades e demandas da sociedade; as prestadoras de serviços têm, como produto final, a realização de uma atividade que seja útil à população; as comerciais fazem com que os produtos produzidos pelas empresas industriais e de serviços cheguem ao consumidor final; as instituições de ensino, inovação e pesquisa se ocupam da investigação e descoberta de novas tecnologias ou métodos que auxiliem na evolução dos vários aspectos da vida contemporânea. Enfim, estamos falando de uma cadeia ampla e elaborada em que as organizações exercem papel fundamental, como órgãos da própria sociedade.
Assim, podemos perceber que, quando as organizações se desviam de seu papel, por vício, disfunção ou fator externo, todo o sistema social é afetado direta ou indiretamente. E isso pode causar desde danos leves e contornáveis a problemas e patologias mais sérias e agudas, afetando indivíduos, a própria organização e a sociedade como um todo.
Qual o papel da liderança no clima organizacional ?
Nesse cenário integrado, qual o papel da liderança na saúde organizacional? E, ao considerarmos que as organizações são células de uma sociedade, qual o impacto social do trabalho dos gestores?
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), é considerado saudável o que está em estado de completo bem-estar físico, mental e social, ou seja, não é simplesmente pela ausência de doenças. Uma organização com vícios e patologias — como obesidade ou anemia, organizacionite, depressão, paranoia, estresse, corrupção — certamente encontrará mais dificuldades de interagir com o ambiente e realizar as mudanças necessárias em seu corpo e alma para prosperar em suas atividades.
Quando, por exemplo, há um desbalanceamento entre a quantidade de tarefas a ser realizada, os cargos criados e o número de pessoas contratadas, podem ocorrer doenças relacionadas à estrutura física da organização, como o excesso de peso (obesidade) ou a falta de recursos (anemia ou raquitismo). Na anemia, o sangue não consegue transportar oxigênio suficiente aos tecidos e isso causa cansaço, fraqueza e dificuldades de concentração. O raquitismo, por sua vez, é uma doença que geralmente, por falta de vitaminas, causa um atraso no desenvolvimento da estrutura do corpo e fraqueza muscular, entre outros sintomas. Por outro lado, a obesidade é o excesso de estrutura (gordura) e há indícios de que pode levar ao câncer, além de doenças como diabetes e problemas com o coração. Além disso, uma organização obesa pode ficar mais lenta na execução de tarefas diárias e rotineiras.
Peter Drucker chama de organizacionite uma espécie de vício em que todos os membros se preocupam continuamente com a organização, e a reorganização é então uma constante, o que se torna um aspecto negativo na vida da empresa.
A estagnação estratégica, com aumento da letargia e declínio das atividades, pode levar à depressão. Já uma organização com muita centralização de poder, em que o medo e a desconfiança imperam, pode se tornar paranoica. Crises prolongadas, conflitos e mudanças constantes podem causar estresse organizacional e também contribuir para situações de depressão ou paranoia.
Outro exemplo de patologia bastante conhecido é a corrupção organizacional, que tem natureza ilegal e imoral, e pode contaminar o sistema todo, espalhando-se a vários níveis e envolvendo um grande número de funcionários, causando danos sociais e até a morte da própria organização (SAMUEL, 2012). Certamente, a corrupção, em especial nas organizações públicas, é o desvio mais custoso e difícil de resolver.
Como podemos constatar, existem vários tipos de patologias e vícios nos ambientes organizacionais que podem levar as empresas ao declínio. Questões externas como a economia global ou nacional, mudanças nas regulações ou em paradigmas mercadológicos, por exemplo, podem afetar a saúde física e financeira. Por outro lado, as relações diárias entre as pessoas na construção coletiva da cultura e da vida organizacional, assim como o comportamento dos líderes, podem causar vícios e doenças físicas, emocionais e mentais às organizações.
Acredito que o papel dos gestores na saúde organizacional passa, obrigatoriamente, pela atenção que devem dispensar aos fatores internos (corpo e alma da organização; atuação equilibrada e ética dos líderes) e também ao ambiente externo (mudanças e aprendizagem constantes).
Na relação interna, cabe ao gestor cuidar e zelar pelo alinhamento estratégico a partir das grandes metas e de todos os elementos tangíveis e intangíveis. Uma estratégia e um plano tático bem elaborados minimizam, por exemplo, dispersões e criações de patologias como a obesidade de áreas ou a sobrecarga de outros setores.
Quando falamos da vida organizacional, estamos tratando, direta ou indiretamente, da vida de centenas ou milhares de famílias que dependem ou interagem com aquela organização. Portanto, quando ela “adoece”, muitos indivíduos já podem, antecipadamente, ter adoecido, por exemplo, pelo comportamento disfuncional que ocorre dentro do grupo.
Na minha trajetória profissional, tive a oportunidade de presenciar patologias organizacionais manifestando-se como alterações na saúde das pessoas. Uma evidência clara de disfunção foi constatar que quase a totalidade dos indivíduos que compunham uma determinada equipe apresentavam constantemente doenças físicas ou de ordem emocional.
Ter um senso de direção e poder buscar as metas de modo saudável garantem uma vida organizacional melhor. É papel do gestor estar atento aos sinais do corpo e da alma nessa trajetória diária rumo aos objetivos organizacionais.
Um dos pontos que conduz a relações patológicas nos ambientes empresariais é a busca pela lucratividade a qualquer custo, pessoal ou social. O dinheiro é imprescindível em nossa sociedade, para pessoas e organizações — ele pode ser entendido, na analogia com o ser humano, como o sangue. Sem ele não é possível sobreviver, e a saúde financeira é um aspecto de vital importância. Contudo, é preciso lembrar que, mesmo para empresas com fins lucrativos, o sangue é como um rio que percorre o corpo e alimenta as células, mantendo-as vivas.
Não há nada errado em ganhar dinheiro e distribuir lucros. Muito pelo contrário, isso é saudável. Porém, a questão essencial, a agenda final de cada organização, deveria passar pela seguinte análise: a quê vim a esse mundo? Qual o meu papel nesse ambiente?
Em última análise, o dinheiro e os recursos devem fluir pela organização em um processo contínuo de entrada, processamento e saída, princípio da abordagem sistêmica. Uma reserva sempre é importante para situações de emergência, mas o acúmulo excessivo de sangue em algum órgão pode levar a doenças e, em última instância, à morte. Essa lógica se aplica às pessoas, às divisões de uma organização ou mesmo nas organizações dentro da sociedade, não é?
A relação saudável é a relação de troca com o meio, em que cada um tem um papel ou função dentro do todo. Vivemos, portanto, em uma constante de servir e sermos servidos, de dar e de receber. Essa reflexão e consciência são fundamentais aos gestores, pois muitas organizações desenvolvem comportamentos patológicos em relação ao uso do dinheiro e do poder.
Quem tem fixação por sangue é vampiro. E temos, infelizmente, muitas organizações “vampiras”, que destroem o meio ambiente e a vida das pessoas por estarem fixadas na busca por dinheiro (o “sangue”).
Quando a organização se enxerga como autossuficiente ou um sistema fechado, em que os meios pouco importam para atingir o fim, a visão do outro é totalmente utilitária, pois o centro de ação é o seu “ego”. Esse egoísmo organizacional tem consequências muitas vezes enormes, pois as organizações podem, dependendo de seu tamanho e influência, causar impactos negativos na vida de milhares de pessoas (funcionários, colaboradores, organizações parceiras, fornecedores), no ambiente e por fim, em conjunto com organizações similares, prejudicar o planeta.
O respeito com os funcionários e o ambiente é sinal de uma organização equilibrada e saudável. A harmonia interna e externa garante uma vida plena para a organização e para o meio no qual ela vive. Como gestores, temos essa responsabilidade para com a organização e a sociedade.
Sidney Zaganin Latorre é reitor do Centro Universitário Senac de São Paulo.