As expectativas da empresa e teor do profissional
O telefone toca e você é informado de que foi um dos selecionados para a entrevista de emprego. Data, horário, orientações gerais e, antes de desligar, a voz do outro lado frisa: “e, por favor, venha mais social”. Será que ela se lembrou especialmente de você dentre tantos naquela sala, à espera da chamada para se inscrever? Teria sido tão desabonador o moletom que você vestia a ponto de a secretária gentilmente aconselhá-lo sobre o que usar? Talvez não, você pensa; pode ser um mero cacoete preventivo que é dito a todos ao telefone. Pode ser que, não apenas você, mas outros tantos candidatos precisem ser lembrados do código de vestimenta que se alinha à política da empresa. Pode ser, e provavelmente é, que tal código esteja distante da maneira como cotidianamente vestem-se os jovens profissionais disputando a vaga ali.
Deixando de lado essas divagações que, por fim, não mudam o fato de você agora ter um problema a resolver, abra o armário em busca da solução materializada na roupa “mais social”. Jeans, camisetas, os adorados pares de tênis, uma jaqueta e, lá atrás, algumas camisas olham para você sem nenhuma compaixão. A entrevista sequer começou, mas a primeira pergunta já está posta: afinal, que roupa corresponde às expectativas da empresa sobre o funcionário que querem contratar?
Esse não é um cenário incomum na trajetória de muitos profissionais começando ou fazendo mudanças em suas carreiras. A famosa “roupa de entrevista” assombra muita gente que entende a importância de se causar uma boa primeira impressão, mas normalmente não sabe com exatidão como fazê-lo. Pululam artigos, manuais e dicas de como escolher o traje adequado, mas nesse tipo de orientação genérica sobra muito pouco espaço para considerar as particularidades daquele que se candidata e também da empresa que o solicita.
Diante disso, duas situações são recorrentes: a adoção literal das sugestões dos manuais ou a opção por ignorá-los e seguir em frente apresentando-se como habitualmente, confiante de que o conteúdo tornará desimportante a roupa. Devo adiantar que nenhuma das duas é ideal; vejamos porquê.
A arquitetura começa quando você junta dois tijolos com cuidado
Concorrer a uma vaga implica em mostrar-se a opção mais interessante para ocupar tal espaço. Isso diz respeito à sua competência, à adequação do seu perfil e trajetória para aquele cargo, à sua visão de mundo, sua postura ética, sua capacidade de relacionar-se e tantas outras qualidades impalpáveis que, provavelmente, nem alguns meses de atuação sejam capazes de expressar por completo. E você terá, para isso, talvez uma hora diante de um entrevistador com a difícil tarefa de reconhecer rapidamente os atributos que a empresa procura. Ser bem articulado e contar com um bom currículo ou portfólio, quem sabe uma indicação, são recursos estratégicos. Mas antes das palavras, vem a sua figura. Espera-se, num contato breve, que ela antecipe coisas que você não terá tempo de dizer. Ou, ao menos, que ela corrobore aquilo que está sendo dito.
Seguir o manual parece ser a maneira mais segura de não errar, especialmente para quem não tem intimidade com o dress code corporativo padrão. É verdade que a cultura das empresas vem mudando em muitos aspectos, o que abre espaço para novas interpretações do que seja a roupa adequada ao ambiente de trabalho. Mas, em geral — e não apenas no mundo corporativo —, os parâmetros de leitura do discurso visual ainda são bastante conservadores.
Por isso, a ideia da roupa social como a melhor representação do indivíduo em seu modus profissional não é arbitrária: na maior parte das sociedades contemporâneas, ternos, camisas, tailleurs, gravatas, scarpins, cores sóbrias e neutras estão atreladas a qualidades como seriedade, discrição, comprometimento, foco, determinação, solidez, poder. Essa leitura quase automática de signos, mesmo para quem nunca se deteve a pensar sobre eles, tem a ver com uma longa história de construção cultural de valores e suas representações. O que significa dizer que a associação entre vestuário e comportamento é sempre resultado de uma articulação de forças (econômicas, políticas, sociais), muitas vezes anterior a nós.
Pois bem, que o saibamos. Mas como tudo isso se incorpora ao processo concreto de elaboração da imagem pessoal e profissional?
Somente um interior vívido possui um exterior também vívido
A chave para um discurso visual eficiente é, antes de tudo, pensar sobre ele. Tanto seguir à risca a vestimenta padrão (de um grupo, circunstância ou ambiente) como não se importar com o que veste são ações que enfraquecem sua imagem pessoal.
No primeiro caso, é preciso tomar cuidado, pois fórmulas que supostamente servem a todos tendem a nos homogeneizar — e, veja, é justamente aquilo que temos de particular o que nos torna interessantes. Entre comigo na sala de espera da entrevista e observemos: à esquerda um tailleur bege, meia-calça cor da pele, sapato fechado de salto médio marrom; mais adiante, o terno marinho, camisa branca, sapatos pretos com meias combinando; junto ao bebedouro, a calça social preta, camisa azul clara sob o suéter cinza, sapatos pretos. Os cabelos estão curtos ou presos, os rostos confiantes barbeados ou pontuados por um discreto brilho coral nos lábios. Quem tem relógios, os leva em couro ou metal, de tamanho regular para pequeno; nos braços femininos, uma corrente muito fina dourada ou nos lóbulos pequenas pérolas. Parece harmonioso e adequado, não?
De fato. Ninguém nessa sala foi traído por seu discurso visual; ainda. O que conseguimos saber sobre essas pessoas à primeira vista? Que elas se preocuparam em adequar-se, que entendem o caráter da empresa e aparentam carregar os tais adjetivos que se busca no indivíduo em modus profissional. Agora aproxime-se: o quanto podemos realmente saber sobre elas sob esta superfície?
Se você não tem o hábito de se vestir como imagina que a situação demande, juntar as peças que tem no armário, pedir emprestadas ou mesmo ir a uma loja e comprar o visual completo para emular a foto que você viu no site não garante um discurso consistente. Mais que um corpo que carrega a roupa, VOCÊ precisa estar lá. Precisa sentir-se confortável, representado, saber que sua visão de mundo está identificada com aquilo que veste. Isto dá autenticidade ao seu discurso e, naturalmente, lhe dará também confiança. Estamos falando aqui do traje social, mas vale para qualquer tentativa de vestir algo que não lhe é natural. A mesma inconsistência seria percebida se do terno predileto de todo dia se tentasse repentinamente passar ao visual do designer hipster. A roupa, mesmo que se transforme para cada diferente ocasião, não deve ser uma fantasia.
Deus está nos detalhes
A chave para conectar a sua essência à situação está em saber articular a linguagem: entenda verdadeiramente os pressupostos da imagem adequada àquela circunstância e trabalhe com o que você já tem e é. Expresse a sua criatividade escolhendo pôr sob o suéter uma camisa de cor vibrante e deixando aparecer o nó de uma gravata estampada; mostre a sua irreverência usando suspensórios sob o paletó; não corra para o barbeiro, use um fixador ou uma tiara discreta para domar o cabelo longo; traga jovialidade ao tailleur bege mantendo seu esmalte colorido; use pérolas sim, mas experimente trocar os brincos pequenos por um colar mais longo com um nó na ponta. Não tem um sapato social? Vale uma bota de couro (limpa e em bom estado, claro!) da cor da calça de alfaiataria. Não tem uma calça de alfaiataria? Procure os jeans mais escuros, com menos bolsos e costuras da mesma cor e combine com uma camisa e um blazer bem passados.
Acima de tudo, estude-se: saiba quais são suas características mais interessantes, pense em como elas convergem para o universo da empresa e da função e observe como a combinação de diferentes palavras-roupas criam novas sintaxes. Mies van der Rohe, o arquiteto autor das frases que subtitulam os blocos deste texto, pensava a construção como o que mais atende à função, mais bem se adequa às condições do entorno e melhor partido tira das qualidades específicas dos materiais.
E se você for um recrutador, por favor, lembre-se disso também!
Daniele Baumgartner é consultora de imagem, educadora e especialista em História da Arte.