Em quê um melhor entendimento do funcionamento do cérebro pode contribuir para uma pessoa aprender? De que maneira a Neurociência começa a despontar como uma ferramenta para potencializar os programas de desenvolvimento de pessoas?
Para responder a estas e outras perguntas, nada melhor que buscar um estudioso do cérebro e a Revista T&D Inteligência Corporativa conversou com o Dr. Fernando Gomes Pinto, neurologista e consultor médico do programa Encontro com Fátima Bernardes, da TV Globo.
Qual é o campo de estudo da Neurociência?
Nós denominamos Neurociência o conjunto de ciências e matérias que tentam desvendar os mistérios do sistema nervoso. Do ponto de vista clínico, existem a Neurologia, a Neurocirurgia, a Psiquiatria, a Psicologia, mas não só essas, porque a Tecnologia e a Computação também fazem parte. A Primatologia, que é o estudo dos primatas e do comportamento principalmente dos lobos frontais, também fazem parte da Neurociência. Portanto, quando se fala de Neurociência, está se tratando dessa comunhão de pesquisadores e cientistas que tentam desvendar, sob óticas diferentes, o funcionamento do cérebro.
E dentro do que o senhor falou, é possível a partir dos estudos da Neurociência, entender a personalidade, as reações e o comportamento de uma pessoa?
Perfeitamente. Quando se fala de Neurociência do Comportamento, está se estudando o formato do ser humano, pois há uma ideia de que a pessoa já “vem de fábrica”, ou seja, não se pode generalizar. Quando se trata de comportamento, não se pode dizer que todo mundo terá o mesmo tipo de atitudes, mas existem tendências de comportamento.
Entretanto, por exemplo, se jogarmos uma luz sobre a questão dos relacionamentos e discutirmos sobre a neurobiologia do amor, é tratado do processo de como o cérebro se encanta de uma pessoa pela outra até o momento da paixão, depois passa pela questão do amor romântico, de modo que o cérebro vai mudando e respondendo em relação a isso. Outro exemplo, o encantamento de uma mãe por seus filhos ou quando um casal apaixonado libera alguns hormônios como a citocina que vai funcionar como um neurotransmissor e deixar o cérebro mais apto para trocar informações, carícias e interesses com a outra pessoa.
Vamos falar um pouco para o público leitor da Revista T&D Inteligência Corporativa.
Alguns especialistas falam que a Neurociência pode ser aplicada ao mundo corporativo, inclusive há um artigo seu que trata especificamente deste assunto. Qual a sua opinião acerca da aplicação da Neurociência no ambiente corporativo?
Se tratarmos de um ambiente de trabalho no qual as pessoas, juntas, de forma integrada, vão brigar ou construir coisas, trabalhos, atitudes e atividades para um bem maior ou determinado propósito da empresa, o estudo do comportamento e da Neurociência é fundamental, pois vai ajudar a área de Recursos Humanos a alocar as pessoas na melhor situação. Segundo, entendendo como funciona nosso comportamento e a disposição cerebral é possível escolher os melhores horários para organizar reuniões ou colocar o cérebro de determinada pessoa para trabalhar da melhor forma possível, entendendo que a recompensa do mundo atual está distante do que existia no passado que era só recompensa financeira. Hoje em dia as pessoas buscam por felicidade, cuja sensação está relacionada a acionar circuitos relativos ao prazer, por exemplo.
A partir do momento que as pessoas entendem isso de uma forma mais evoluída, é possível ter um mundo corporativo melhor e mais saudável do ponto de vista da saúde biológica e mental.
Então é possível associar a Neurociência a um ambiente de trabalho mais feliz? Como ela define um estado de felicidade?
Quando tratamos de saúde, a Organização Mundial da Saúde (OMS) a define como não só ausência de doença, mas também do bem-estar biopsicossocial, ou seja, é um bem-estar físico no qual a pessoa não sente dor, tem disposição e percebe que o cérebro, a memória, a atenção e a capacidade criativa funcionam a todo vapor; bem-estar psicológico porque ela sente-se psicologicamente inserida nesse contexto, sente-se útil, valorizada, poderosa — não no sentido autoritário, mas em acordo com a tarefa que deve desempenhar — e social porque percebe que está crescendo, que é respeitada, que serve de exemplo para a família e filhos, consegue trocar informações verdadeiramente com outras pessoas. Enfim, bem-estar biopsicossocial é a ótica da Neurociência do Comportamento definindo felicidade.
Existe uma preocupação principalmente das lideranças empresariais, especialmente entre aquelas que lidam com o dinheiro da organização, com a introdução de novos conceitos em termos de desenvolvimento das pessoas.
Como a Neurociência pode contribuir para a melhoria dos relacionamentos, do ambiente de trabalho e dos resultados de negócios?
O primeiro passo é o entendimento que o cérebro da pessoa precisa ter — e isso chama-se metacognição, ou seja, entender os processos mentais que acontecem no cérebro — de que o dinheiro nada mais é do que energia condensada, ou seja, é produto de uma determinada execução no lobo frontal. E o cérebro adora resolver problemas. Se estabelecermos determinada estratégia ou tarefa — que é executada pelo lobo frontal — e fizermos um acompanhamento de forma integrada entre várias pessoas e colocarmos marcos — pois as pessoas gostam de marcos — de sucesso alcançado ou não, essa pessoa que tem o compromisso de trazer mais dinheiro para dentro da empresa, vai acionar um circuito de prazer relacionado a cada momento em que vai atingindo metas. Ou seja, não é a ganância desmedida, existe um motivo para que tudo isso aconteça. É preciso ter claro na cabeça das pessoas a missão, visão e valores da organização para que todos respirem a mesma atmosfera e aquelas pessoas que entendem a tônica a ser tomada acabam contribuindo mais.
A metacognição é o entendimento desse processo e ajuda a fazer o indivíduo render mais, ter um trabalho mais efetivo e como dizia o vice-presidente norte-americano no início do século XX, Thomas Marshall: “não brigue com o problema, resolva-o”. Isso significa utilizar o cérebro ao próprio favor, é alimentá-lo do processo que ele gosta tanto de fazer, que é resolver problemas.
A inteligência, pela definição neurocientífica, é a capacidade de resolver problemas, de modo que isso pode ser prazeroso, e as pessoas que identificam isso conseguem ser mais bem-sucedidas.
Isso significa que não só é possível, mas a Neurociência é aplicável ao treinamento de pessoas? Como ela pode ser utilizada como um facilitador de processos de aprendizagem no ambiente de trabalho, mudando hábitos e comportamentos?
Exatamente. Por exemplo, uma empresa precisa aplicar um treinamento a um grupo de pessoas e precisa de atenção máxima com pouco tempo de aplicação, hipoteticamente, 30 minutos. Na agenda do dia há dois horários disponíveis: 11h30 ou 15h00. Intuitivamente muitas pessoas acreditam que fazer às 11h30 oferece maior integração, inclusive emendando com a hora do almoço. Nesse horário, há um hormônio chamado grelina que é liberado pelo fundo do estômago e aciona no cérebro a vontade de comer. Quando isso acontece, a pessoa não consegue prestar atenção da mesma forma se ela estivesse saciada. De modo que a quantidade de informação que o gestor deseja que o funcionário receba não vai acontecer com a mesma qualidade se esse mesmo treinamento de 30 minutos fosse oferecido às 15 horas. Talvez para um assunto mais ameno, que demande menos atenção, o horário das 11h30 seja mais adequado.
São pequenas escolhas baseadas em dados científicos para otimizar o resultado e o bem-estar das pessoas. Se um grupo de pessoas é obrigado a fazer determinada atividade, talvez a execução não seja feita com amor e atenção e o resultado não será tão bom.
O senhor tem sido convidado para falar desse assunto em empresas?
Sim. No ano passado fiz uma palestra para o sistema cooperativista de Santa Catarina sobre como as pessoas podem ser mais felizes e como viver melhor. Hoje em dia as pessoas têm uma sobrecarga de tarefas muito grande e as mulheres cooperativistas, por exemplo, precisavam ter um determinado comportamento para ajudar em casa e a cooperativa para ser mais competitiva e rentável. Foi um evento para mais de 900 pessoas e foi muito interessante porque esses dados e elementos são interessantes para as pessoas entenderem.
Tenho notado que as empresas mais bem-sucedidas passaram ou estão passando por um processo de “feminilização”, ou seja, mais integração, mais conversa, mais troca, mais bem-estar, pois não é só ganho salarial que faz um funcionário melhor, mas principalmente os ganhos secundários já que as pessoas entenderam que a maior parte do seu tempo é dedicado àquele ambiente, de modo que esses ganhos são importantes para que elas possam sentirem-se úteis e felizes.
A partir do momento que se adequa o indivíduo, obtém-se o melhor dele, ou seja, ter o lobo frontal trabalhando canalizado para a execução do que a empresa deseja e para isso acontecer ele precisa estar apaixonado pela atividade que vai desempenhar. Quando uma pessoa está apaixonada o cérebro trabalha num formato diferente e as pessoas rendem muito mais.
Médico é um profissional que não para nunca, pois a Medicina é uma disciplina que faz com que ele não possa estacionar.
Atualmente, quais são os principais estudos que o senhor vem desenvolvendo nas áreas de Neurologia e Neurociência?
Existe um tipo de demência chamada Hidrocefalia de Pressão Normal (HPN) que foi descoberta no final dos anos 1950 pelo neurocirurgião colombiano Salomon Hakim e ela se assemelha ao Mal de Alzheimer, o paciente tem dificuldade para andar, para controlar urina, tem alterações de memória, mas não é Alzheimer. Há uma estatística que indica cerca de 120 mil pessoas no Brasil com esse diagnóstico. Entretanto, elas não sabem e recebem um rótulo de alguns profissionais de saúde de portadoras de Alzheimer e os familiares param de investir em sua melhoria.
Com uma neurocirurgia simples, que pode ser a colocação de uma válvula ou uma neuroendoscopia é possível reverter o quadro. Não adianta só falar que Alzheimer não tem cura, é preciso diagnosticar pessoas que não têm e possam ficar ainda melhores.
Esse é um modelo de diagnóstico de doença interessante porque é possível estudar o cérebro ruim, o indivíduo com falta de inteligência e, após a intervenção cirúrgica o paciente volta ao normal, de modo que a medicina consegue estudar os lobos frontais humanos de uma forma extremamente rica com avaliação da Neuropsicologia, Fisioterapia, Musicoterapia, Nutrição, de modo que esse acaba sendo um braço clínico muito interessante.
Para se ter uma ideia de que esse tema não acaba, eu tenho autorização do Governo do Estado de São Paulo para estudar os dois orangotangos do Zoológico de São Paulo para avaliar o comportamento por meio da Primatologia. É um estudo interessante porque se trata de um cérebro mais rudimentar que o humano, mas que permite verificar formação de vínculos, comportamento social, de modo que excursionamos desde situações mais avançadas como as pessoas viverem melhor na Terceira Idade por meio de procedimentos tecnológicos avançados até a observação no zoológico de como esses seres mais primitivos se comportam.
Esses casos de HPN são mais comuns em pessoas com idade mais avançada?
Existem dois tipos de hidrocefalia, a da infância que é uma doença e a HPN que atinge pessoas com mais de 65 anos. Minha tese de livre docência e do grupo que eu chefio no Hospital das Clínicas de São Paulo estuda a hidrodinâmica cerebral, que basicamente estuda a Hidrocefalia de Pressão Normal.
Além desse estudo relacionado à Neurologia, o senhor está fazendo algum estudo relacionado à Neurociência?
Sim, mais relacionado à questão dos primatas que mencionei, e também associado à Neuropsicologia. Inclusive há um curso de pós-graduação com duração de dois anos, ministrado em conjunto com o Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo, em que recebemos pessoas do Brasil inteiro e é composto de parte teórica e prática voltado para psicólogos, terapeutas ocupacionais, pedagogos, porque, assim como no mundo corporativo, também na Pedagogia é importante informar — não adianta acreditar e falar que as crianças são agitadas e só ficam mexendo em celular e tablet — e encontrar o caminho para estimular o cérebro e fazê-lo funcionar melhor.
Fazemos um trabalho relacionado à Neuropsicologia bastante interessante com pesquisas sobre inteligências múltiplas.
O senhor recebe apoio do Governo do Estado de São Paulo para sua pesquisa de Primatologia. Por que o Brasil investe tão pouco em pesquisa e desenvolvimento e qual é a consequência desse baixo investimento?
Nós somos extremamente ricos em termos de recursos humanos, nos dois sentidos. Temos médicos e cientistas muito criativos e inteligentes e, quando tratamos de Medicina, é importante destacar que temos muitos pacientes porque o Sistema Único de Saúde propicia esse quadro.
A questão de não receber investimento maciço para resolver os próprios problemas, faz com que outros países mais desenvolvidos percebam a presença de cérebros altamente pensantes e elétricos no Brasil e acabam importando de uma forma muito barata essa mão de obra especializada.
Na minha área de Neurologia, por exemplo, é lamentável, porque um colega vai trabalhar no exterior todo feliz e orgulhoso, mas dá dó porque aprendeu Medicina e por causa de uma vida um pouco melhor, carro, casa ou uma estrelinha na lapela, faz uma mudança e deixa o país a desejar. Essa é a consequência grave do não investimento em pesquisa e desenvolvimento e valorizar o profissional nacional: perdê-lo porque chega uma hora que ele como indivíduo exerce sua opção de escolha e o país perde um investimento grande não só na produção de conhecimento, mas também no recurso humano que vai resolver o problema do brasileiro.
O senhor é consultor de saúde do programa Encontro com Fátima Bernardes. Há quanto tempo o senhor participa do programa?
O Encontro foi lançado em 25 de junho de 2012. Recebi alguns convites e desde 2013 sou contratado da TV Globo e participo toda terça-feira do programa com a Fátima Bernardes conversando sobre neurociência, comportamento, neurologia e medicina.
Entrevista com Dr. Fernando Gomes Pinto