Engajamento dos colaboradores aos programas de treinamento passa pela conjugação de ações para colocar em prática aquilo que foi aprendido
Por José Geraldo Gomes
Lembro-me facilmente do antigo “para casa” — aquela tarefa dos tempos de escola que tínhamos de fazer fora da sala de aula, sem a ajuda do professor.
Já não consigo recordar as vezes que deixei de brincar para me dedicar, exaustivamente, às leituras e à resolução de exercícios. Quase sempre deixava pelo caminho uma ou duas questões de matemática — nunca fui mesmo bom em cálculos e concluo que, por isso, escolhi ser publicitário e, há alguns anos, especialista em educação à distância. O campo das ideias, da palavra, da comunicação e do compartilhar conhecimento deixa-me mais à vontade, sem o rigor da exatidão.
A exatidão, em alguns casos, pode nos levar a um pensamento separatista, de “colocar cada coisa em sua devida caixinha” — algo que nos empobrece, pois elimina a possibilidade de “misturar as coisas”. Nesse empobrecimento, deixamos o novo de lado em decorrência daquilo que nos é familiar, que já está vivo na cultura.
Não é por acaso que ainda separamos, em caixinhas distintas, as modalidades presencial e à distância. Queremos ser exatos: “isso é presencial” e “isso é à distância”.
Na prática, ainda temos dificuldade, e até resistência, de misturar essas modalidades. Talvez sigamos esse caminho por nos faltar conhecimento sobre como combiná-las, dando o devido peso e a utilidade funcional a cada uma delas no processo de aprendizagem.
Fizemos e fazemos isso de forma espontânea, possivelmente por termos crescido em uma cultura em que o aprendizado ocorria, em grande parte, numa sala de tijolos. Esse era o modelo da escola clássica que, naturalmente, foi replicado na educação corporativa.
A evolução da EAD corporativa, potencializada com a chegada do e-Learning e w-Learning (aprendizado pela web), contribuiria com a criação de áreas distintas em que uma está com a responsabilidade de estruturar programas essencialmente presenciais e, a outra, à distância. Esta última com foco quase exclusivo no gerenciamento da produção de recursos à distância no formato de cursos em vídeo ou flash que, em grande parte, são construídos por empresas especializadas.
Essa separação, inicialmente conceitual e depois organizacional e física, gerou e tem gerado alguns inconvenientes como, por exemplo:
- Surgimento de competição interna entre as áreas dos programas presencial e à distância. Cada uma delas “corre” para “defender” sua modalidade e, para isso, apresentam os melhores e maiores benefícios que uma possui em relação à outra.
- Comparação equivocada na gestão de indicadores dessas duas modalidades, no que concerne a investimento, quantidade de programas ou cursos, horas e participações em treinamento;
- Excesso de especialização dos profissionais da educação. Quem é da área dos programas presenciais, por se dedicar na elaboração de programas desta modalidade, acaba perdendo a oportunidade de aprender o design de programas à distância. O inverso também é verdadeiro;
- Pouco aproveitamento das competências múltiplas de um profissional da educação, uma vez que são requisitados perfis com certo nível de conhecimento específico;
- Redução na capacidade de criar ou inovar na construção de soluções educacionais mais eficientes e eficazes, por meio de uma modalidade híbrida — também chamada de mista ou Blended Learning (b-Learning) — em que parte do aprendizado se dá pela modalidade presencial e, outra parte, à distância;
- Redução na troca de conhecimento e aprendizado entre os profissionais de educação corporativa, já que cuidam de áreas distintas.
É bem verdade que esses níveis de divisão — conceitual, organizacional e física — não ocorrem em todas as empresas. Por outro lado, é genuinamente comum que um e outro aspecto seja considerado pelas empresas no desenvolvimento da maturidade da educação corporativa e, sobretudo, na adoção da EAD como uma das modalidades de aprendizagem.
Nesse contexto, uma empresa não é melhor ou pior que outra pelo fato de vivenciar um, parte ou todos esses níveis. É responsivo salientar que cada empresa, de acordo com sua realidade, defina a estrutura mais adequada de gerenciar a aprendizagem organizacional sem, contudo, gerar ou potencializar aqueles inconvenientes.
Quando penso e reflito sobre esse cenário, passo a acreditar, cada vez mais, que o cerne dessa divisão está, novamente, no entendimento e compreensão de conceitos a respeito de “como misturar presencial e a distância” para uma aprendizagem mais efetiva e eficaz. Acredito que seja o mais relevante, independente das divisões organizacionais e físicas.
Tenho comigo que um dos diversos papéis do profissional de educação corporativa seja, primeiramente, saber identificar uma necessidade educacional e, a partir disso — num segundo momento —, desenhar a estratégia de aprendizagem adequada, a qual requer sim a combinação das modalidades presencial e a distância, mas não somente isto. Afinal, como sabemos, a educação não se restringe à divisão de modalidades.
Particularmente, tenho apreço pelas “Quatro fases do aprendizado” propostas no livro As seis disciplinas que transformam a educação em resultados para o negócio, da editora Évora. Essas quatro fases consideram as modalidades (presencial, à distância e a mistura delas), o uso de métodos e recursos na aprendizagem formal e informal, bem como as estratégias que visam facilitar o repasse da instrução, a aplicação daquilo que foi aprendido e, claro, a mensuração dos resultados.
Essa concepção me leva a validar a proposta inicial da não existência de áreas distintas, presencial e a distância, e, ao mesmo tempo, traz uma nova reflexão quanto à demanda por uma área que concentre profissionais capazes de estruturar e desenvolver experiências de aprendizagem mais completas e complexas, que vão além do pensamento separatista entre as modalidades e que considerem as quatro fases do aprendizado.
A existência de uma área com esse caráter coloca em pauta uma revisão organizacional completa em que deixam de existir áreas por modalidades e torna-se relevante o desenho de novos cargos e ajustes de outros. Mudanças na cadeia de processos, novas responsabilidades e perfis de profissionais são outros requisitos que devem ser lembrados.
Depois, se um determinado programa exigir a produção de um recurso de aprendizagem no formato de vídeo ou curso em flash, essa nova área poderá encomendar diretamente para as empresas especializadas e, obviamente, realizar a gestão completa — desde o pedido até a entrega do recurso de aprendizagem.
Portanto, não haveria uma área de EAD para gerenciar o processo de produção com estas empresas — o que não é um fato ruim. Essa nova modelagem ampliaria as competências dos profissionais de educação corporativa acerca de saber o que pedir, como gerenciar o processo de produção de um recurso de aprendizagem à distância e, especialmente, como validá-lo pela pedagogia e andragogia. Esse seria apenas um dos ganhos e benefícios que contribuiria para reduzir os inconvenientes apontados aqui.
Retomando o início deste artigo, desde pequenos aprendemos numa modalidade mista. Estávamos aprendendo à distância enquanto concluíamos as tarefas do “para casa”. Por certo não tínhamos o professor do nosso lado, mas nossos pais ou algum irmão mais velho sempre se colocavam como nossos tutores. Então, percebo que nossa cultura educacional sempre foi mista.
Nesse aprender, contávamos com vários recursos (livros, cadernos, revistas, filmes, lápis, borracha, caneta…) e métodos (aula expositiva, trabalho em grupo, pesquisa na biblioteca, exercícios de fixação, entre outros). Tantos elementos que se somavam em etapas de aprendizado contínuo.
Então, poderíamos nos apropriar da exatidão para unir as modalidades — à distância e presencial — e os tantos e variados recursos de aprendizagem em vez de separá-los em “caixinhas” cada vez mais quadradas. Não deixaríamos de ser exatos ao somar a diversidade de recursos e modalidades. Porém, estaríamos deixando de lado os comportamentos separatistas. Multiplicaríamos as possibilidades de desenhar situações de aprendizado enriquecedor, dividiríamos os ganhos e reconhecimentos entre as áreas por termos produzido — em equipe — uma ação educacional mais transformadora. Por último, diminuiríamos, e até mesmo eliminaríamos, todos aqueles inconvenientes que empobrecem.
O resultado da combinação dessas operações matemáticas seria, quem sabe, aprendizes — os colaboradores — mais interessados em participar das ações educacionais e engajados para colocar em prática aquilo que foi aprendido.
Que nosso próximo “para casa” seja treinar mais as operações matemáticas que envolvem a educação corporativa.
Autor: José Geraldo Gomes