Neurociência o novo mundo do Treinamento e Desenvolvimento?
Curioso observar como de tempos em tempos determinados assuntos passam a dominar as listas de interesse do mundo corporativo, sobretudo quando falamos de metodologias, processos e conhecimento específico. Nos últimos tempos, apoiado pela onda de mentorias, coaches, mapeamentos e linguagens, o tema Neurociência entrou para o top trends das pesquisas e direcionamento de interesses.
Como todo tema interessante e relativamente novo, a Neurociência passou a dominar as conversas sobre treinamento e desenvolvimento com as mais variadas tonalidades e sabores. O que é bastante compreensível, visto que a Neurociência é um campo de estudo muito abrangente e abraça com igual familiaridade pessoas oriundas do mundo da Biologia, Biomedicina, Psicologia, Química e até mesmo administradores e executivos da Gestão de Pessoas.
Mas, de fato, Neurociência e processos de capacitação estão assim tão intimamente ligados?
De fato sim. Mas antes de considerarmos esta ligação é fundamental compreender as diferenças fundamentais embutidas nos processos de treinamento e desenvolvimento.
Toda empresa que preza por seu processo de sustentabilidade e crescimento opta pela estruturação de suas operações na forma de processos organizacionais, de maneira a aumentar a capacidade de processamento da empresa, a visibilidade dos resultados e obviamente o melhor uso dos ativos financeiros, físicos, intelectuais e até mesmo dos recursos humanos envolvidos.
Neste ponto é que entram as ações de treinamento e desenvolvimento, pois para a plena execução dos processos organizacionais, as pessoas envolvidas precisam apresentar as competências necessárias, seja para o uso das ferramentas envolvidas no desenho dos processos, seja nas atitudes e comportamentos requeridos.
Neste ponto, cabe diferenciarmos as ações de treinamento e desenvolvimento existentes à disposição do mercado corporativo, pois algumas delas — e ouso dizer que são a maioria — possuem um claro foco no desenvolvimento de habilidades e conhecimentos técnicos requeridos para a execução das atividades que formam os processos de negócio. Ou seja, estas ações possuem um claro foco na capacitação das pessoas para que estas sejam moldadas aos requerimentos dos processos, independentemente de suas crenças, mapas mentais ou percepção do ambiente onde estão inseridos. Esta linha de treinamentos possui forte teor conteudista e repete o ciclo viciante da apresentação do conteúdo, realização de exercícios e aplicação de avaliações de retenção sobre o mesmo conteúdo.
Neurociência e as diferentes formas de aprendizado
A segunda linha de pensamento ligada aos processos de treinamento e desenvolvimento já considera as diferentes formas de aprendizado, assim como os modelos e mapas mentais dos indivíduos envolvidos no processo de transferência de conhecimento. Neste modelo de forte teor construtivista, a separação entre mestres e aprendizes é reduzida e a participação em exercícios e simulações ocupa mais espaço que as explicações teóricas. A apresentação do conteúdo existe, sem sombra de dúvidas, mas mantém sua linha de apresentação totalmente associada ao propósito da empresa, do processo em foco e na perfeita assimilação do aprendiz.
Esta segunda linha filosófica de treinamento e desenvolvimento considera as características do indivíduo no processo de capacitação e busca não somente adestrar pessoas para executarem determinadas tarefas, mas sim, transformar pessoas por meio de seus modelos de compreensão de mundo para que as exigências dos processos possam ser assimiladas de maneira agradável, ampla e reconhecidas como elemento de valor para o momento nesta empresa, assim como para o futuro e para a vida.
O grande desafio dos educadores para a realização de eventos de capacitação baseadas nesta filosofia humanista reside na compreensão dos mecanismos neurais de interação entre o homem e o seu ambiente. Esta interação ocorre a partir dos conjuntos sensoriais (visão, audição, tato, paladar e olfato), combinadas com os elementos de tratativa e interpretação da realidade existente nas diferentes partes do cérebro. Ou seja, o grande desafio dos educadores passa necessariamente pelos estudos e pelas conclusões existentes nas diversas facetas da neurociência.
A neurociência possui uma ampla área de estudos que contribui significativamente para a criação de processos de transferência de conhecimento efetivas e capazes de transformar de maneira definitiva pessoas e equipes.
CONHECENDO MELHOR A NEUROCIÊNCIA
Para entender melhor a Neurociência precisamos antes compreender o que não é Neurociência. Definitivamente ela não é uma disciplina e nem tampouco uma área de formação. Neurociência é de fato um grande campo de estudos que engloba o sistema nervoso dos seres humanos em sua morfologia, funcionalidade e capacidade de resposta. Esta é uma área tão extensa que não pode ser restrita a uma única área de formação. Os estudos de neurociência estão associados a processos de pós-graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado, em que recebem profissionais de várias vertentes como biólogos, biomédicos, médicos, filósofos e psicólogos.
Neurociência é, portanto, um conjunto multidisciplinar de conhecimentos, que auxilia aqueles que a utilizam a compreender os diversos mecanismos de processamento de informações e dados que, na prática, influenciam nossa capacidade de aprendizado, tomada de decisão, manutenção do foco de atenção e, certamente, a assimilação de conteúdos e sua transformação em memórias de fundo, que representam aquelas que não são esquecidas nem mesmo de forma inconsciente. Isto inclui a formação de novas crenças e dogmas.
Contudo, a compreensão dos mecanismos de processamento do ambiente, vistos somente à luz da Neurociência, pode ser insuficiente para a criação de modelos de capacitação da nova filosofia em sua plenitude. O cérebro e nosso sistema sensorial constituem um artefato vasto e poderoso, capaz de coisas surpreendentes, as quais os profissionais ainda estão iniciando a exploração e efetiva programação. Sim, é neste ponto que entram mecanismos complementares como os estudos da programação neurolinguística ou PNL.
Programação neurolinguística e neurociência
A Programação Neurolinguística nasceu no caminho contrário dos estudos da Neurociência, mas de forma alguma são filosofias conflitantes. O nascimento se deu de maneira inversa, pois partiu da observação de comportamentos e padrões linguísticos de pessoas de destaque e aos poucos foi se construindo um código de relacionamento, o qual não levava em consideração a estrutura cerebral dos envolvidos e nem tampouco seus sistemas neurais de interação com o ambiente.
Podemos dizer que a Neurociência foi capaz de confirmar, com fatos e dados científicos, padrões e comportamentos identificados pelos estudiosos de PNL, anos após a conclusão dos estudos e do nascimento dos estudos de modelos linguísticos e metamodelos de linguagem.
De maneira lúdica, podemos entender a Neurociência como a arte dos Luthiers que com sua técnica, ferramentas, modelos e padrões compreendem de maneira profunda a morfologia dos instrumentos musicais, sendo capazes de responder com precisão qual a melhor madeira, encordoamento, trastes e marfins para a criação do mais fino violino, enquanto a programação neurolinguística representa a arte de compor as peças musicais extraindo deste violino as mais diferentes composições adequadas a cada momento, evento ou simplesmente para que sejam desfrutadas, sem compromisso.
Uma partitura criada pela mente mais brilhante entre os compositores, não surtirá qualquer efeito sem um instrumento devidamente afinado nas mãos de um músico habilidoso. Assim como este mesmo músico, com o melhor dos instrumentos, só será capaz de criar sons irreconhecíveis sem uma composição harmoniosa criada para a plena funcionalidade do instrumento.
Seguindo com esta visão lúdica, podemos compreender a empresa como uma grande orquestra. Sim, estou seguro que você já viu milhões de vezes esta comparação, mas agora, vamos realizar a comparação à luz da combinação empresa, processos, neurociência e PNL. Isto eu tenho certeza que você nunca parou para observar.
Assim, temos a empresa como uma grande ópera na qual os departamentos são os atos, cada um com um propósito em si, mas totalmente interligados e sequenciais em um roteiro que costumamos chamar de cadeia de geração de valor, ou somente cadeia de valor. Para entender melhor a cadeia de valor, pense em uma coisa simples como a compra do pão nosso de cada dia.
Para que você possa comprar seu pãozinho pela manhã, existiu uma pessoa que conferiu o estoque e definiu que era necessária a compra de farinha. De posse desta informação, outra pessoa realizou cotações e descobriu o melhor fornecedor em termos de qualidade, custo e prazo de entrega. Esta mesma pessoa realizou a compra que precisou ser entregue e recebida.
Com a farinha entregue na padaria, alguém levou os sacos até o estoque e garantiu que ficasse devidamente armazenada até que na noite anterior, com base na receita combinada, o padeiro produziu a massa e levou ao forno, gerando seu pãozinho. Contudo, este pão ainda não é seu. Outra pessoa o colocou na vitrine, um atendente pesou e precificou, você pegou seu pacote e uma última pessoa cobrou de você o preço do pão.
Ao todo foram sete áreas diferentes com aproximadamente doze processos até que seu pãozinho ficasse pronto e em suas mãos para ser apreciado. Isto é a cadeia que agregou valor à farinha, transformando-a em pão. Muitos processos.
Voltando a nossa metáfora, uma cadeia de valor é como uma ópera. Cada área da empresa é como um ato desta ópera e cada processo envolvido é como uma composição com música e canto.
Para que as músicas sejam perfeitamente executadas, instrumentos (mentes) precisam estar afinados (conscientes) e os músicos precisam levá-las à perfeita execução (comunicação e capacitação).
Quando uma organização compreende os mecanismos de aprendizado sob a ótica da neurociência associada à linguagem correta de programação, esta organização será capaz de levar seu capital humano a atingir altos níveis de atuação e desempenho sem comprometimento dos índices de felicidade das pessoas envolvidas.
Sim, no final das contas estamos falando de manter altos índices de felicidade nas equipes, pois os processos de capacitação são desenhados levando em consideração a estrutura neural das pessoas, ao mesmo tempo em que utiliza mecanismos de programação adequados a cada estilo de aprendizado. Assim, teremos mais assertividade, colocando as pessoas certas no lugar certo, pelo tempo certo, cada qual executando, de maneira harmônica, as músicas para as quais seus instrumentos foram criados.
Definitivamente, o uso da Neurociência nos processos de treinamento e desenvolvimento chegou para ficar e seus resultados provarão que não se trata de mais um modismo. A educação corporativa está cada vez mais necessitada de resultados de curto prazo que sejam sustentáveis no longo prazo e, para isso, não será possível somente adestrar pessoas para executar tarefas. Será preciso transformar pessoas para que encontrem seu propósito e executem de maneira espontânea os comportamentos requeridos pelos processos de negócio.
Bem vindo ao novo mundo!
Edson Carli é diretor de Treinamento e Desenvolvimento da SBPNL – Sociedade Brasileira de Programação Neurolinguística.