Por Joel Dutra
O objetivo deste artigo não é simplesmente especular em relação ao futuro da gestão de pessoas, mas, fundamentalmente, lançar questões para reflexão. Este artigo parte da premissa que as organizações brasileiras tendem para uma maior complexidade de suas relações organizacionais, de sua articulação com a tecnologia e de sua relação com o ambiente onde se inserem. Diante disso, enfrentarão um nível crescente de exigências e demandas por desenvolvimento.
Historicamente o desenvolvimento organizacional só foi viabilizado através do desenvolvimento das pessoas, podemos prever, portanto, uma preocupação genuína das organizações com essa questão. Isso gera um ciclo virtuoso, ou seja, as organizações necessitarão um número crescente de trabalhadores especializados. Essas pessoas necessitarão de atualização contínua para manter sua competitividade no mercado de trabalho, serão, portanto, mais exigentes na sua relação com as organizações. Em decorrência, os processos de movimentação, desenvolvimento e valorização das pessoas ganharão destaque para gerenciar a conciliação de expectativas entre as pessoas e a organização e/ou negócio. Essa conciliação se tornará cada vez mais complexa e envolverá um conjunto cada vez maior de variáveis e de sutilezas.
Com base nessas premissas podemos visualizar algumas tendências e desafios para a gestão de pessoas.
Movimentos geracionais no mercado de trabalho
Uma das peculiaridades de nossa realidade, resultante de nossas características demográfica e histórica, é o aspecto geracional. Os estudiosos da questão geracional caracterizam uma nova geração quando há mudança significativa na forma de pensar e agir das pessoas. Nesse sentido, nos Estados Unidos e Europa, são consideradas as seguintes gerações: babyboomers, nascidos entre o final da década de 1940 e o final da década de 1960; geração X, nascidos do final da década de 1960 e ao longo da década de 1970 e geração Y, nascidos ao longo da década de 1980 e início da década de 1990. No Brasil, estudos realizados por Silva (2013) e Veloso et al., (2011), confirmam a geração dos babyboomers como a das pessoas nascidas de 1946 a 1965, a geração X, como as pessoas nascidas de 1966 a 1985 e uma nova geração, que pode ser chamada de Y ou Z, como as pessoas nascidas a partir de 1986.
A geração Y aparece nos Estados Unidos e na Europa no final da década de setenta e ao longo da década de oitenta, como consequência de grandes transformações, tais como: ambiente competitivo, com a entrada de novos players, consolidação da globalização, com sua ampliação para mercados e sistemas produtivos, alterações geopolíticas, caracterizadas com a queda do muro de Berlim e transformações culturais, com o crescimento do ser em detrimento do ter. No Brasil, na década de 1980, vivíamos a continuidade do ambiente vivido na década de 1970, com um governo militar, restrições a importações, ambiente protegido e com baixa competitividade e uma inflação alta, que camuflava a incompetência na gestão das organizações. Em todas as nossas pesquisas, as pessoas nascidas na década de 1980 apresentavam as mesmas características das pessoas nascidas na década de 1970. Com uma pesquisa mais profunda realizada por Silva (2013), confirmamos que as nossas marcas geracionais no Brasil são particulares.
Notamos uma alteração geracional, ou seja, alterações na forma de pensar e agir, nas pessoas nascidas a partir do ano de 1986. Essas pessoas cresceram em um ambiente bem diferente do vivido no início da década de 1980: ambiente econômico aberto e competitivo, tecnologia de informação acessível, transformações culturais intensas e estabilidade econômica e política. Essas pessoas começaram a entrar no mercado de trabalho no final da primeira década dos anos 2000 e passaram a estar maciçamente no mercado na segunda década dos anos 2000.
Essa geração caracteriza-se pelos seguintes aspectos positivos: a generosidade e a intransigência com a incoerência e com a inconsistência. Essa geração encontrou, inicialmente, as organizações despreparadas para recebê-las, mas nos anos subsequente as mesmas foram aprendendo a abrir um diálogo com os jovens e, principalmente, entre as diferentes gerações. Todos os nossos estudos mostram que as gerações são complementares. As organizações terão vantagens competitivas importantes na medida em que aprenderem a lidar com a diversidade geracional.
Longevidade e ciclos mais curtos de carreira
Há um alinhamento entre os estudiosos de cenários em relação a um aumento da longevidade nos próximos anos, basicamente pelos avanços da medicina. No Brasil viveremos nos próximos anos algo inédito em nossa história que a convivência no mercado de trabalho de diferentes gerações. Essa situação gera desafios em relação à convivência, equipes mais velhas do que sua liderança, benefícios, complementação de aposentadoria etc.
Fazendo um contraponto com a maior longevidade, observamos ciclos mais curtos de carreira. O ciclo de carreira significa o crescimento da pessoa em atribuições e responsabilidades de mesma natureza até um momento em que a mesma não vê mais perspectivas, usando uma metáfora a pessoa bate com a cabeça no teto. O ciclo é medido pelo crescimento do nível de complexidade das atribuições e responsabilidades até um momento onde não há mais perspectiva de crescimento, quer na organização quer no mercado de trabalho. Essa situação causa na pessoa uma natural angústia. A pessoa fica dividida, de um lado gosta e realiza-se com o que faz e do outro não tem mais futuro naquele tipo de trabalho.
Observamos, ao longo dos anos noventa, que o ciclo de carreira era de 20 a 25 anos em pessoas da geração dos babyboomers. Essas pessoas, ao fecharem o ciclo, estavam próximas da aposentadoria e sentiam o fechamento do ciclo como algo natural. Na primeira década dos anos 2000 observamos que a geração x, que entra no mercado de trabalho nos anos noventa, tem seu ciclo entre 15 e 18 anos. No final da primeira década de 2000 muitos estavam fechando seu ciclo por volta dos 40 anos de idade.
Esse fato trouxe para as organizações um novo desafio, pessoas jovens para a aposentadoria e já no final de suas carreiras. A alternativa de criar na organização mais espaço para essas pessoas é muito limitada. A saída tem sido ajudar as pessoas a transitarem para outras carreiras. Temos observado que as organizações fazem esse movimento de forma reativa, mas o número de situações deve crescer. Acreditamos que a geração de entrou no mercado a partir do final da primeira década dos anos 2000 terá um ciclo de 12 a 15 anos, agravando mais esse quadro.
Organização do Trabalho
A tecnologia tem criado impactos na organização do trabalho. Assistimos dois impactos importantes. Um deles é o crescimento do trabalho a distância. Em pesquisa realizada em 2009 com as empresas listadas como melhores para se trabalhar, observou-se que 69% relatavam oferecer trabalho a distância. Outro é o crescimento dos serviços compartilhados. Os serviços compartilhados caracterizam-se pela concentração de atividades de mesma natureza, gerando economia de escala, inicialmente, foram concentrados trabalhos repetitivos na empresa, tais como: folha de pagamentos, contabilidade e contas a pagar e a receber, para, posteriormente envolverem, também atividades ligadas a questões fiscais e tributárias, caixa único, serviços de contratação e treinamento e a cadeia de suprimentos (supply chain). Os serviços compartilhados podem gerar uma economia de 20% a 30% das despesas operacionais. Por essa razão tem grande disseminação no setor privado e, neste momento, estendendo-se para o setor público.
Além do trabalho a distância e dos serviços compartilhados, a intensificação do uso dos computadores cognitivos tem um grande potencial para gerar transformações na forma de organização do trabalho e para ampliar a complexidade na gestão de pessoas. Entretanto, outro aspecto vem se mostrando relevante, o questionamento da organização funcional do trabalho e das estruturas organizacionais. As estruturas matriciais, por processo e por projetos mostram-se muito mais efetivas do que as funcionais na busca de economia de escala em nível global e uso mais racional da capacidade humana instalada.
Essas mudanças implicam uma forma diferente de olhar as pessoas na organização. As pessoas, atualmente, são referenciadas através de seus cargos ou de sua posição no organograma, mas fica a questão: na medida em que cargos e organogramas perdem seu valor como referência, o que será utilizado para ajudar as pessoas na estruturação da relação com seu trabalho, com sua carreira e com a empresa? Os conceitos de competência e complexidade serão cada vez mais o ponto de apoio para essa nova realidade.
Padrões Culturais
Nos próximos anos, teremos um crescimento gradativo da carreira subjetiva em detrimento da carreira objetiva (HALL, 2002). Ou seja, cada vez mais, as pessoas tomarão decisões sobre suas vidas profissionais a partir de valores, família e compromissos sociais e, cada vez menos, a partir de salários e status profissional. Temos duas evidências importantes. A primeira vem da experiência vivida por jovens nos Estados Unidos na primeira década dos anos 2000, em que o casal decide buscar empregos menos glamorosos e com menores salários para poder cuidar dos filhos. Nos anos 1990, a mulher tinha sua carreira truncada por conta dos filhos, e os homens, uma carreira linear; agora, cada vez mais, o casal busca se organizar para cuidar dos filhos de forma a preservar a carreira de ambos. Esse movimento, que foi chamado de “opt out,” (MAINIERO e SULLIVAN, 2006) tomou uma grande proporção na sociedade norte-americana, a ponto de estimular as organizações a apresentarem formas mais flexíveis de organização do trabalho.
O movimento “opt out” ainda não está completamente instalado no Brasil, mas acreditamos que a geração que está entrando no mercado de trabalho tem esses valores na sua relação com o cônjuge e com os filhos. Essa é a segunda evidência: é provável que essa geração, associada aos movimentos sociais, cristalizados nos Estados Unidos e Europa, influencie uma grande transformação cultural em que, cada vez mais, as pessoas subordinem seu projeto profissional ao projeto pessoal e familiar.
Ao longo dos últimos 15 anos, pudemos notar a incorporação, na vida dos jovens casais brasileiros, do compartilhamento da carreira entre os cônjuges, caracterizada pela ajuda mútua para o crescimento na carreira e construção do projeto de família. Reflexões sobre esse assunto podem ser encontradas no trabalho de Santos (2011).
Conclusões
O propósito das reflexões apresentadas neste artigo não se encerra em apontar desafios. É importante pensar que o mais importante, no contexto atual da gestão de pessoas, é que esses desafios se convertam em oportunidades, tanto para pessoas quanto para organizações (VELOSO, 2012).
A preparação para o futuro exige dois investimentos simultâneos. Um na modernização do sistema de gestão de pessoas e outro no estímulo e suporte ao desenvolvimento das pessoas a partir delas próprias.
A modernização do sistema de gestão de pessoas deve criar condições para que as pessoas possam visualizar seu desenvolvimento, para que a empresa possa avaliar o poder de contribuição de todas as pessoas com as quais mantenha uma relação de trabalho e para que a organização e as pessoas possam conciliar suas expectativas de forma dinâmica.
Como a questão do desenvolvimento é a pedra de toque para a competitividade da pessoa e da organização a estimulação mútua nesse sentido será o alicerce para uma relação que pode suportar as adversidades do futuro.
Autor: Joel Dutra
Bibliografia
HALL DT. Careers in and out of organizations. London: Sage Publications, 2002.
MAINIERO, L. A.; SULLIVAN, S. E. The opt-out revolt: why people are leaving companies to create kaleidoscope careers. London: Nicholas Brealey Publishing, 2006.
SANTOS, H. B. O processo de dual career family: um estudo sobre os impactos e implicações na vida do casal. 2011. [Tese de Doutorado]. Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo, 2011.
SILVA, Rodrigo C. Abordagem Geracional como Proposta à Gestão de Pessoas. Tese de doutorado apresentada no Departamento de Administração da FEA-USP – 2013
VELOSO, E. F. R.; DUTRA, J. S.; FISCHER, A. L.; PIMENTEL, J. E. A.; SILVA, R. C.; AMORIM, W. A. C. Gestão de carreiras e crescimento profissional. Revista Brasileira de Orientação Profissional, v. 12, n. 1, p. 61-72, 2011.
VELOSO, E. F. R. Carreiras sem fronteiras e transição profissional no Brasil: desafios e oportunidades para pessoas e organizações. São Paulo, Atlas, 2012.