A construção de links entre o novo conhecimento e aquilo que já acontece na rotina da empresa ajuda neste processo
De nada adianta um ensinamento se ele não for colocado em prática. Visto assim, a colocação pode parecer um pouco cruel, mas é a mais pura verdade. Infelizmente é comum participarmos de cursos ou palestras, ter contato com novos conhecimentos, mas, em pouco tempo, esquecer boa parte do que foi discutido. Como podemos cobrar então dos nossos funcionários que memorizem todo o importante conteúdo que passamos durante workshops, palestras ou treinamentos corporativos? Para que esse conhecimento não se perca, e passe a fazer parte da rotina do funcionário, é preciso investir em estratégias certeiras durante e após os treinamentos.
Tecnologia educacional no processo de aprendizagem
Antes de mais nada, precisamos deixar claro que esquecimento não é preguiça ou falta de empenho. Na verdade, nosso cérebro foi formatado para ter esta capacidade. Biologicamente, seria inviável lembrar de tudo o que aprendemos por toda vida. Então, o cérebro vai apagando boa parte dos estímulos que recebe ao longo do dia. De acordo com o neurocientista cognitivo Art Kohn, 70% do que é aprendido em um dia de treinamento desaparece da nossa cabeça em 24 horas.
Já o neurocientista Ivan Izquierdo afirma que 99% das informações que vão para a memória acabam sumindo alguns segundos ou minutos depois. Parece desanimador, mas sem esta função, seríamos incapazes de ter foco nas atividades do nosso dia-a-dia. E no ambiente de trabalho, acontece o mesmo: somos diariamente bombardeados com informações novas e, a maioria, será esquecida para que consigamos focar no que realmente importa e na realização correta da nossa função.
O ponto-chave aqui é como fazer com que o aprendizado não seja esquecido e, uma vez dentro da nossa cabeça, passe a melhorar a performance do profissional. Essa é uma preocupação dos desenvolvedores de talento do mundo todo. Uma recente pesquisa realizada pela ATD Research, em parceria com a plataforma de conhecimentos Lynda.com, perguntou para representantes de 1.373 organizações no mundo quais são os principais tópicos do seu trabalho no próximo período de um ano. Dois terços dos entrevistados responderam que “ligar o aprendizado à performance do profissional” é sua principal meta a ser atingida. O fato de profissionais de todos os países entrevistados colocarem este objetivo em primeiro lugar não é apenas uma coincidência. Vivemos na era das distrações, recebendo milhares de estímulos todos os dias, mas transformando pouco ou quase nada dessa informação em verdadeiro conhecimento.
Existem técnicas que podem ser utilizadas para conseguir aumentar o real aproveitamento dos momentos de aprendizagem nas organizações. Uma regra de ouro é não considerar o treinamento como um processo simples de acréscimos, ignorando o conhecimento que os trabalhadores já possuem.
Construa links entre o novo conhecimento e aquilo que já acontece na rotina da empresa. Entenda o que seus colaboradores sabem sobre o assunto e utilize o conhecimento que eles já têm para aprender, memorizar e conseguir colocar em prática o que é novo. Um conhecimento totalmente novo, dissociado do que ele já possui, fatalmente fará parte dos 70% que esquecemos em um dia.
É preciso criar experiências, pedir feedbacks e atrair o colaborador com conteúdos apresentados de modo interessante. Para isso, a tecnologia educacional é uma grande aliada. Utilizando técnicas como mobile learning, realidade virtual ou realidade aumentada podemos criar estímulos empolgantes para o trabalhador, mas sem tirá-lo completamente do seu ambiente de trabalho.Dessa forma unimos o novo com o que ele já conhece, facilitando a transformação de conhecimento em experiência.
Como aplicar a tecnologia educacional a favor do treinamento?
Uma sugestão é utilizar a realidade virtual para criar simulações de situações críticas dentro do ambiente de trabalho, usar a realidade aumentada para reforçar pontos já explicados no virtual, mas mantendo o profissional no ambiente real, e pedir um feedback sobre como estão esses conhecimentos e como ele avalia o treinamento por meio do mobile learning, que consiste no uso dos smartphones para o aprendizado.
Realidade aumentada
Trazendo para o lado prático: poderíamos utilizar a realidade virtual para criar simulações de situações críticas dentro do ambiente de trabalho como, por exemplo, um incêndio dentro do estoque ou um cliente passando mal dentro de uma loja. Seria possível treinar quais ações devem ser feitas primeiro, como agir, onde ficam os equipamentos de segurança, etc. A realidade aumentada pode ser utilizada para, por exemplo, criar um game no qual os funcionários que apontarem mais rápido ou com maior precisão quais são as rotas de escape ou onde estão instalados os extintores de incêndio ganhem pontos.
Essa movimentação aumenta as chances de o colaborador não esquecer o que aprendeu. Falei sobre incêndio e treinamentos de segurança apenas como um exemplo prático. É possível criar situações e treinamentos usando realidade aumentada ou virtual em todo tipo de situação e em diversos níveis de aprofundamento. Basta um pouco de criatividade e conhecimento da tecnologia e suas ferramentas.
Outro ponto que acho interessante citar é a diferença entre realidade virtual e realidade aumentada. O termo “realidade virtual” refere-se à técnica de criar ambientes totalmente digitais e — por meio de telas e óculos especiais — inserir o usuário dentro dessa nova realidade. O ambiente não precisa ser necessariamente desconhecido: é possível recriar locações inteiras dentro desse tipo de tecnologia.
A realidade virtual, aliás, é muito utilizada para tratar fobias, como medo de andar de avião ou elevador. A realidade aumentada, por outro lado, não tira o usuário do ambiente real. Ela insere elementos digitais no ambiente em que o usuário está. Um exemplo seria espalhar cartazes pela empresa com perguntas sobre o produto vendido ou até mesmo a história da instituição. O colaborador seria, então, convidado a pegar o seu smartphone — já com o aplicativo necessário instalado — e apontar para a imagem. Nesse momento surge à frente do cartaz um assistente (que pode ser um bonequinho, a mascote da empresa, ou algo do gênero) que conta a resposta para o colaborador.
Falando assim pode parecer muita imaginação, mas isso é perfeitamente possível. É uma ação relativamente simples, mas muito cativante falando da aplicação da tecnologia educacional. Certamente geraria um impacto grande entre os colaboradores.
Tecnologia educacional é um complemento no processo de treinamento
Apesar dos bons resultados, não podemos considerar a adoção da tecnologia educacional como única “salvação” para o desenvolvimento de talentos. É preciso integrá-la a um ambiente empresarial que incentiva o aprendizado e uma estrutura de trabalho que permita e estimule a utilização do novo dentro da rotina já estabelecida. É necessário tomar muito cuidado também para que a tecnologia não vire uma distração. O ideal é trabalhar com uma equipe parceira no treinamento com um bom histórico de ações com tecnologia e que consiga apresentar resultados práticos de ações desenvolvidas anteriormente.
Mesmo com as inúmeras inovações no mercado de treinamentos corporativos, os conceitos básicos sempre representarão a essência do mercado. Invista sim nas novas tecnologias educacionais, mas nunca se esqueça de respeitar o conhecimento prévio do funcionário, criar situações de entrosamento entre as áreas e seus respectivos gestores, conhecer a fundo as necessidades da empresa, incentivar feedbacks e sempre acompanhar os resultados obtidos. As tecnologias são ferramentas muito úteis, mas devem ser encaradas apenas como um meio, não uma finalidade.
Não existe um resultado real se não houver uma mensuração. Determinadas áreas têm seus KPI’s facilmente determinados, como a quantidade de vendas, número de clientes ativos ou economia de algum recurso. Para os treinamentos corporativos é necessário que haja uma avaliação constante do quanto o trabalhador aprendeu, de como ele está aplicando isso no seu desempenho profissional e qual avaliação ele dá para o treinamento em si.
São processos complexos e muitas vezes demorados, mas que garantem que o aprendizado esteja se transformando em performance e lucratividade para a empresa. O sucesso dos seus treinamentos será traduzido em profissionais mais experientes, motivados e engajados com sua empresa.
Luiz Alexandre Castanha é CEO da Telefônica Educação Digital no Brasil