Se vc está gerenciando cultura como um projeto ou como um conjunto de atividades, vc pode estar perdendo o bonde da história.
Gerenciar cultura é gerenciar o significado de tudo o que existe e acontece dentro e fora da organização. O tempo todo está se fazendo cultura.
E a razão é simples e óbvia: os humanos são seres simbólicos, portanto as coisas não são as coisas, as coisas são o significado que damos a elas.
A cor branca, que significa paz no ocidente, significa luto no oriente.
A demissão de um funcionário, a contratação do novo executivo, o novo design organizacional, o crachá, os privilégios no estacionamento, a campanha de publicidade, o relatório anual, a política de reconhecimento e incentivo, o plano de carreira, o SAC, a política de qualidade, o SSMA, tudo é cultura e tudo tem significado e precisa ser gerenciado. E repare que nem sempre a razão corresponde ao significado.
Exemplo real tirado de uma auditoria para avaliar a coesão da cultura de dois bancos: perguntaram ao segurança da agencia qual era a razão da porta giratória. O segurança do Banco A respondeu: “É norma da diretoria”. O do Banco B respondeu: “É para a segurança dos funcionários e dos clientes.” O que é razão e o que é significado?
Fazendo entrevistas para diagnóstico de cultura de uma grande organização acabei visitando o CEO e um gerente na mesma semana. Na vez do CEO fui tratado como um rei: estacionamento na porta, não precisou de crachá, nem fila de espera nem catracas e no lugar disso recepcionistas gentis me acompanharam em cada etapa do caminho; eu me senti muito especial. Quando fui ver o gerente, fila de espera, foto para crachá, catraca, elevador cheio; me senti um mortal insignificante, um bosta. A razão é o padrão de segurança da recepção. O significado é que o cargo na hierarquia da empresa é mais importante que a pessoa visitante.
Quando não se gerencia o significado, o significado fica a deriva. Cada um entende como quer, para o bem e para o mal.
Fato: novo CEO queria conversar com equipe de Vendas e desceu até o andar deles com a razão de mostrar a importância da área na estratégia da empresa. Mas o significado foi: “como o novo CEO é legal e sem frescura!”.
A compreensão de que gestão de cultura é uma disciplina em si que cuida de algumas atividades e de que é responsabilidade da área de RH é uma herança perversa para tempos tão inovadores e ágeis como os atuais.
Essa compreensão faz parte do pensamento da empresa como um sistema fechado, hierarquizado e fragmentado, típico dos cenários estáveis e previsíveis dos séculos passados.
Cultura como competência transversal de todas as pessoas em todas as áreas e níveis é imperativo na gestão da empresa como sistema aberto, vivo e interativo, que está sempre evoluindo com o seu contexto.
Por isso não existe maior inovação na empresa do que a mudança de modelo mental DE empresa-sistema fechado PARA empresa-sistema aberto, vivo, adaptativo.
DE Cultura de Conservação PARA Cultura de Evolução.
São duas culturas totalmente diferentes, uma de conservação, que acredita mais nos manuais e nas hierarquias e outra, de evolução, que não despreza manuais e hierarquias mas aposta mais nas pessoas e nas relações para se manter atual e competitiva.
Cultura de Conservação é boa quando o comando-e-controle é suficiente para proporcionar segurança a todos, funcionários, gestores e acionistas.
Quando o comando-e-controle não dá conta de garantir o futuro, a perenidade do negócio está na adaptabilidade, portanto na evolução. Daí Cultura de Evolução é a melhor cultura.
(durante algum tempo se disse que não existe cultura certa e errada. Não mais. Hoje cultura de conservação é errada porque põe a empresa em processo de extinção.)
Importante entender que sistema vivo, aberto, interativo e adaptativo não é metáfora nem retórica para humanizar a empresa-relógio do século XX. É briefing para inovar no design organizacional e garantir evolução e perenidade e, se possível, o crescimento exponencial.
Na Cultura de Evolução as pessoas são pessoas, não são peças de engrenagem especificadas em contratos mas células vivas, sensíveis e criativas. E para funcionarem de maneira ágil, autônoma e integrada devem compartilhar o mesmo DNA e serem responsáveis por multiplicar-se para garantir a coesão e a perenidade do sistema vivo.
Evolução da Cultura.
Poucos autores estudiosos de cultura organizacional colocaram o desafio da evolução da cultura porque entenderam a empresa como um sistema fechado e não sistema aberto e vivo integrante de um ecossistema com o qual interage e do qual depende. O foco era a cultura organizacional, entre as quatro paredes da pessoa jurídica, com todas as relações pautadas por conflitos de interesses entre o funcionário e a empresa, entre pares, entre áreas, entre níveis, entre gestores e acionistas, jogo que é natural do teatro hierárquico-comando-e-controle corporativo mas que não pode ser negado se o que se quer é amadurecer as relações e fortalecer os vínculos para que as partes funcionem como um todo coeso e eficiente, como um sistema vivo saudável.
A maioria dos estudiosos de cultura trabalharam com empresas em cenários estáveis e por isso privilegiaram o modelo de sistema fechado com adequada valorização da hierarquia e da burocracia, ferramentas poderosas na cultura de conservação. É dessa abordagem o conceito unfreeze/freeze em processos de mudança cultura. É um conceito que fala de mudança e não de evolução. Na mudança quem manda é a hierarquia e na evolução é o contexto, o mercado.
Diferente da idéia de “change” que é permitida e controlada pela hierarquia, o conceito de evolução impõe o modelo de sistema aberto no qual a hierarquia é ressignificada como liderança e não como controladores.
No ambiente de evolução, inovação não é apenas um departamento ou projeto mas cultura, jeito de pensar e fazer em toda a empresa. Os funcionários são estimulados a ter visão crítica sobre tudo e a propor melhorias e rupturas, o que fazem com extrema pertinência e agilidade. É o bottom up design que, combinado com top down design, acelera a atualização da empresa com baixo custo e de maneira sistemática.
Em poucas palavras, a empresa-sistema vivo funciona como uma pessoa, o que faz os funcionários acessarem um universo extraordinário de experiências pessoais que podem ser transportadas para a empresa com muita facilidade e segurança.
Quando os funcionários veem a empresa funcionar como a vida de fato é, eles podem se sentir íntegros e participantes de um processo de criação de valor apesar dos conflitos de interesse, que são também melhor gerenciados porque vêem para a luz do dia com franqueza. Aí então o significado de tudo passa a ser legítimo, norteador e inspirador de comportamento. Diferente de quando cultura é apenas uma campanha de endomarketing cheia de adjetivos, uma celebração formal, um discurso institucional que idealiza os valores, as relações e estimula a alienação quanto aos reais problemas da empresa.
Quando tudo é cultura a empresa amadurece e é sinal de que a evolução pode acontecer. Aí sim, se faz história.
Por Ricardo Guimarães – Presidente da Thymus Branding